A recuperação da saúde das cidades passa pela criação de uma plataforma que englobe tanto o conhecimento científico como a equidade e justiça social, priorizando territórios e grupos mais vulneráveis
Paulo Saldiva – Rádio USP
“As nossas cidades estão doentes e, consequentemente, nós estamos adoecendo também em função da organização do espaço urbano. Acredito que a doença, assim como acontece com a gente, é uma força que nos move para a busca da cura”, afirma o professor Paulo Saldiva em sua coluna de hoje (03), na Rádio USP.
“Mudamos de hábitos, tentamos adquirir modos de vida mais saudáveis e o mesmo pode acontecer com a cidade, tanto as crises climáticas quanto a violência que recentemente estamos observando nas grandes cidades brasileiras são talvez motivos para que a gente tente organizar isso”.
De acordo com o colunista, as cidades precisam usar suas doenças como oportunidade de regeneração, e um passo importante é a coragem de reconhecer os erros do passado.
“Hoje, no Brasil, nós já temos uma massa de conhecimentos muito grande para que a gente possa ajudar a recuperação das cidades. Isso implica num redesenho de políticas urbanas, baseado em princípios científicos de uma ciência chamada ciência de implementação”.
O que seria isso?
“Resumidamente, a recuperação da saúde das cidades passa pela criação de uma plataforma que englobe tanto o conhecimento científico como a equidade e justiça social, ou seja, priorizar territórios e grupos mais vulneráveis, uma cidade que cuida, fazendo, portanto, da cidade o eixo do desenho urbano, integrando habitação, mobilidade, saneamento, segurança e espaços públicos. Usar as evidências científicas, mas aplicá-las, colocar a ciência em prática com avaliação rigorosa de desempenho, de impacto, em parceria com a população […] Nós temos, obviamente, em função da crise que vive o planeta, também de priorizar a sustentabilidade climática e adotar a infraestrutura verde e azul e aumentar a resiliência urbana […] Assegurar transparência, proteção de dados e principalmente o foco no bem comum. Como as cidades são diferentes, nós temos que fazer soluções diferentes e levar em conta a territorialidade e a diversidade, valorizar saberes, culturas e modos de vida distintos. Se a gente fizer isso, talvez o século 21 não fique lembrado como o tempo em que as cidades adoeceram em busca do progresso, e sim como momento em que decidiram reaprender a viver”.